segunda-feira, julho 26, 2004

1. Desculpa-me


Não há nada aqui, meu amor. Nada que nos prove, nada que nos incrimine os actos sagrentos de amor e paixão... Nem uma simples fotografia... Nada que nos possa prender, nada que nos possa guiar, nada para nos afogar ou fazer respirar. E estou confuso.
Aqui, sentado no canto do meu quarto de sombras pintado, choro as estrelas que se apagam. Correm pérolas preciosas pelo meu lânguido rosto (medo de não te ter). Agarra-as por favor, agarra as pérolas com as palmas das tuas mãos, lava-me com o teu corpo! Leva de mim tudo... ou o nada em que me vou tornando... Mas leva-me! A parede já está quente, o frio foi embora numa rajada de vento que me passou ao ouvido (seria um murmúrio teu?) e aqueceu-me todo o ar que me está agora a fazer delirar. O vermelho toma conta das sombras. Oh, é sangue! Não sei se é o meu, se é do dela... e se... Oh, eu quero-te a ti... Leva-me daqui, tira-me do inferno de sangue, leva-me para o meio das flores, para o centro das tuas estrelas, agarra-me de lá, não me largues! Medo...!
É dele, agora já sei, a culpa é dele! Vem devagar. Primeiro transforma-se na alegria de um beijo apaixonado. E como os nossos beijos eram apaixonados, lentos, demorados, rasgados em cada pedaço para poderem ser saboreados... Devia ser assim? Parece que nos beijávamos mais com medo do depois. (Terei os teus lábios na minha testa quando morrer?) Não quero morrer... Medo... é como se chama. E vem devagarinho, apodera-se das entranhas entrelaçadas no mais fundo de mim, bem no fundo para eu não reparar e então esconde-se. Mas começa a subir, faz a corda pelas lágrimas que me escorrem no canto do quarto pintado com o sangue das sombras transformadas e sobe, devagar, tal ladrão à espera de te roubar de mim. E vem assim, pé ante pé para que eu não o veja subir e deixar marcar em todo o meu corpo (ou serão os cortes das lágrimas mais quentes?). Oh, como ele é perfeito na sua jogada, nem se mascara muito, sabes? Sobe apenas devagar sem reparar nas passadas inquietas bem ao meu lado. Nunca lhe vi a cor, quando me aparece pela frente já estou com a lente das lágrimas, aquela lente que faz ver o mundo mais imperfeito, fica tudo tão desaparecido... Veio agora mesmo fazer troça de mim. Caiu-me no colo com a cara de gozo treinada para me fazer triste. Posso jurar que é azulado, mas não sei, está tudo tão desaparecido. Pára, por favor... Medo... Tanto medo, ele está aqui, pânico, medo... Quero-te!...
E h
oje sou eu que me corto em pedaços, porque tenho medo de não te ter por completo, apenas porque nunca te sei no meu olhar.
Desculpa, não posso continuar enganado seguindo cada passo teu de longe, acompanhando o teu rastejar longo e sombrio pelos mundos inquietos que não compreendo. Que mundo foi esse que te prendeu longe de mim? Não me amavas os sussurros nas noites das janelas embaciadas pelo nosso odor quente? Onde foste?... Quero-te aqui, não a ela, nada dela, não quero nada dela! Nunca te entendi, compreendo isso agora, debaixo desta chuva que me encandeia os olhos. Não entendi o teu amor, rejeitei o teu sexo, a tua estranha forma de amar e olha que eu tentei. Corri em ruelas pequenas e fechadas, em reuniões, na busca da compreensão. Meu amor. Onde foi que te perdi?...
Agora n
ada mais nos pode incriminar os actos sangrentos, nada senão o nosso amor, senão os nossos beijos, os nossos corpos cintilantes a voarem na cama em que me deleito todas as noites. Custa o teu cheiro na almofada que agarravas quando eu ia embora ou que tantas vezes babavas depois do orgasmo. Era aí que eu mais te amava, na rodilha dos teus cabelos, na tua boca aberta quando gritavas de prazer, a mesma boca aberta quando estavas prestes a adormecer ou a pedir por mais de mim, sempre a sede do nosso amor... Tenho sede. Sede do beijo que deixaste pendurado na porta do quarto só para me fazer sofrer mais um pouco. Não o consigo apanhar.
Estou perdido... Quero-te! Bastas tu, meu amor. Só o teu sorriso no meu redil de estrelas...
Ou o sangue do nosso amor entranhado na minha pele. Sim... basta-me o teu sangue para me reencontrar.

Eternamente teu, meu amor...