quarta-feira, dezembro 29, 2004

8. (sem titulo ainda)

Estes dias cinzentos, estes murmúrios do vento... como me magoa pensar nela, reve-la com toda a minha alma, tocar-lhe com a ponta dos meus dedos no ar. As folhas douradas, o cheiro ao chá de caramelo que beberrico aos pedacinhos. Não aguento estas recordações de felicidade, de dor, de amor, de tudo o que a vadia destruiu. De tudo o que eu não soube manter, meu amor, desculpa-me por isso...
***
Uma noite de sexo, amor, prazer. Uma mistura de desejo e sede de nos bebermos um ao outro. Lembro-me de ter pensado que talvez fosse a última, tendo em conta os constantes afastamentos dela. Estava enganado. Quando acordei na manhã seguinte ouvi o tilintar da água na banheira. Entrei em pânico com medo que o episódeo se repetisse. Ela, deitada no chão nranco, em transe, parada, sem falar, os cabelos enrodilhados, a pele fria, os olhos aterrorizados. O medo, sempre o medo, sempre ele que agora me atentava o dia-a-dia. Corri para a casa de banho. Não é que fosse muito longe do quarto, aliás, bastava sair e virar à direita (que saudades de a ver passear pela nossa casa), mas o caminho até lá pareceu-me interminável. Empurrei a porta devagar. E lá estava ela em pé, a cantarolar uma música qualquer. Lembro-me de ter ficado uns cinco minutos sentado à beira de porta a ouvir a melodia que entoava ao tiritar da água. O corpo dela na cortina meio translúcida. Ai, como eu me recordo tão bem disto! Como me lembro de a ouvir cantar, os movimentos do corpo dela, as curvas secretas que só eu conhecia (pensava eu!), a pele cujo cheiro e toque eram meus. Fui feliz naqueles cinco minutos. Ela não me viu.
Fugi da beira da porta da casa de banho onde ela cantava. "Vou fazer-lhe o pequeno almoço". Um croissant com manteiga e queijo e chá de caramelo quente. Quando terminei chamei-a. Ela vei-o, nem falou. Comeu, deu-me um beijo e foi embora. E eu, petrificado, nem consegui quebrar o silêncio da torrada a estalar na boca dela, dos goles grossos de chá que ela sorvia rápidamente.
***
A tarde ia já longa e escura. Decidi ir buscá-la ao emprego. Durante a tarde tinha estado a pensar na estranha mudança dela, na forma como me afastava, na forma estranha do amor que nutria por mim, em toda a minha alma guardada nas palmas das mãos dela. Eu sempre tive amigos influentes e tinha uns quantos que eram psicólogos, talvez estivesse aí a saída para o problema dela. Uma sala branca, uma pessoa desconhida e ela podia de certo dizer tudo o que não me poderia dizer. E era tanto o que ela me tinha para dizer, tantos os pecados imundos de prazer carnal, tantos os golfes frios na minha pele ardente de paixão.
Na avenida, sempre dourada, cheirava a castanhas assadas. Um homeme velho passeava-se sozinho por alí. E não é sem qualquer razão que eu retracto o velho da avenida. Ao ve-lo percorrer as ruas, tão sozinho e abandonado, revi-me nele. Sei lá, tive medo de um dia ser assim. Passar por mim o mundo inteiro sem ter mãos para o agarrar. Um monte de recordações guardadas que sou forçado a apagar. Um nome que perco para ninguém mais me chamar. Tive tanto medo de ficar assim. Sentado num banco castanho e frio sem ninguém para falar... Tive tanto medo de a perder.
Mesmo com o medo do velho da avenida encrustado na minha pele, não consegui ir ter com o senhor. É estranho quando sentimos receio e queremos ajudar alguém mas na realidade nem tentamos. Pensamos apenas "oh, da próxima vez eu ajudo, ele vai qui estar todos os dias!". Como nos iludimos a nós próprios, como somos fracos. E eu segui, sem falar com o pobre homem, em direcção ao clube de vídeo. Quando cheguei estava uma rapariga cheia de borbulhas ao balcão. "Não está. Sentiu-se mal.". Saí a correr, desvairado pelo meio das ruelas. Uma folha caíu-me na testa e começou a chover imenso, assim, de um momento para o outro. No Outono é mesmo assim, nunca se sabe o que vem a seguir.
(por terminar)

2 Comments:

Blogger nikonman said...

Gosto da maneira e do que aqui se escreve.
Voltarei.

6:59 da tarde  
Blogger me said...

lindo....

2:20 da tarde  

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